Por falar nos que ficam
PERFIL
Sonia Francine Gaspar Marmo, a Soninha, 40, é vereadora de São Paulo pelo PPS e também colunista da Folha de S.Paulo.
O noticiário dirá: “Ônibus atropela e mata pedestre”. Se é que dirá alguma coisa.
Um corpo retorcido no chão, sem receber socorro algum, apesar de haver várias pessoas em volta. Só pode estar sem vida.
Passageiros descem lentamente do ônibus, que tem o pára-brisa trincado.
Sobre o volante, o motorista chora convulsivamente. Os ombros tremem tanto que se percebe o movimento do outro lado da pista.
Duas vidas destruídas.
A cena gruda na retina. Perturba, tonteia.
Eu vi a mulher morta.
A família ainda não sabe que ela não vai voltar mais para casa. Nunca mais.
As coisas dela ficarão para alguém.
Os filhos dela ficarão com alguém.
Hoje tem velório, amanhã tem enterro.
Daqui a uma semana, a missa – e ela será uma lembrança, uma ausência. Aquela pessoa fora do mundo há uma semana, o mundo uma semana sem aquela pessoa. Tão importante para algumas outras que elas nem sabem direito como será a vida sem ela. E eu nem sei quem ela é. Ela foi alguém que já não existe mais. Atravessava a rua, descia da calçada, se desequilibrava? Não sei. Sei que “o ônibus pegou”; o ônibus matou.
E o motorista… Com tempo indefinido de vida pela frente, já não quer saber dela. Não vê futuro para si; não se consola com o que veio antes. Aquele momento acabou com ele. Se eu tenho dificuldade para dormir hoje, que será dele?
***
Minutos depois de ter passado pelo acidente, vi um ônibus articulado passar pelo sinal vermelho em frente ao Shopping Iguatemi. Tão rápido que não consegui enxergar a placa. Acelerou em vez de diminuir quando viu que ia fechar.
Ônibus matam duas pessoas por dia em São Paulo.